Lá se vão dez anos - 4,5 deles na Record e os últimos 5,5 no SBT - que Eliana furou o Clube do Bolinha dominical da TV aberta nacional. Primeira mulher a encarar as tardes mais concorridas da TV, ela volta a fazer programa ao vivo, tendo Rodrigo Faro, futebol e Faustão no seu horizonte. Não é fácil. E requer algum juízo de quem está no comando do microfone para não resvalar na tentação de buscar audiência imediatista, geralmente trazida à custa de quadros assistencialistas e exploração da miséria alheia, sem agregar valor ao programa.
Mãe de Arthur, de 3 anos, filho do músico João Marcello Bôscoli, e dona da Editora Master Books, Eliana também divide seu expediente com o comando do DaquiDali, portal feminino na internet. Entre uma tarefa e outra, ela recebeu o Estado em seu escritório, no Itaim, em São Paulo, para fazer um balanço não só dos dez anos de domingo, mas, antes disso, do diagnóstico que permitiu que ela cruzasse a linha da apresentadora infantil para a plateia de gente grande, êxito que faltou a Xuxa e Mara Maravilha.
A transição foi obra operada na Record, onde ficou de 1998 a 2009, e demandou oito meses fora do ar, tempo em que ela gravou muitos pilotos, fez muita aula de fono, terapia e pesquisas de todo tipo. Mas a origem desse êxito talvez esteja na concepção da apresentadora infantil que Eliana foi um dia. Ainda em 1993, no SBT, quando se contentava em apresentar uma sessão de desenhos animados, a loira foi orientada pelo diretor Nilton Travesso a encontrar seu caminho. “Ele disse: ‘A Angélica é a princesa, a Xuxa é a Rainha, e você não vai ser princesa nem rainha, você vai ser a amiga mais velha dessas crianças. Você vai ficar de tênis e sentar no chão pra brincar com elas.’”. Travesso deu-lhe um cenário, nada de castelo ou disco voador, nada de vestidos ornamentados. Convenceu Silvio Santos a abrir mais espaço para a loira e pronto.
Dali surgiu o Bom Dia & Cia. A imagem despojada, sem a ostentação de conto de fadas, certamente contribuiu para o sucesso da transição, sugiro a Eliana. “Pode ser”, ela concorda. Também é bem possível que o SBT só tenha percebido o potencial da moça graças à Record. “A Record me contratou em 1998. Fui pra lá pra fazer a grade infantil, ao vivo, de manhã, como era no SBT. E ainda tinha um programa de games aos domingos. Depois de 16 anos como apresentadora infantil, me pediram pra mudar. Foi muito difícil. Fiz fono, pra melhorar minha voz - quando você fala com criança, naturalmente, fala de uma maneira mais doce. Eu não me permitia ter nenhum tipo de sensualidade e era super rigorosa com meu português.”
Houve até um “gênio” da TV que sugeriu que ela fizesse um ensaio para a revista Playboy, a fim de marcar a transferência de público. Sorte que a sugestão não foi acatada. A proposta de virar a chavinha de faixa etária foi quase um pedido “do mercado”. “Foi uma pressão externa, os programas infantis já não estavam mais correspondendo às expectativas das crianças. Era o começo da expansão da TV paga, da internet, havia uma movimentação, uma nova era de crianças. Se eu não tivesse passado por isso, talvez nem estivesse aqui falando com você. Tive que me reinventar.”
Depois de quatro anos e pouco, o telefone tocou e ela achou que fosse trote. Mas era ele mesmo: Silvio Santos. Voltou ao SBT bem no espaço mais nobre da emissora: as tardes de domingo, que na ocasião ficaram vagas com a ida de Gugu Liberato para a Record.
Filha de zelador, Eliana logo comprou um apartamento para a família no mesmo prédio onde o pai trabalhava. E ele, mesmo ao deixar o modesto aposento - um quarto, sala, cozinha e banheiro - onde morou com as duas filhas e a mulher até que Eliana tivesse seus 17 anos, quis continuar zelador até se aposentar.
Aos 41 anos, Eliana se arrepende da lipo que fez aos 28 e da plástica no nariz. Acha que não precisava. Diz que se gosta mais hoje e vê com naturalidade seu trânsito em tribos diversas, um círculo capaz de contemplar um programa popular na TV, um portal feminino e uma editora de livros que atrai créditos como os de Fernando Meirelles, Christian Lacroix, Carol Kotscho e Julio Maria, jornalista deste Estado, que assina a recém-lançada biografia de Elis Regina, Nada Será Como Antes.
Mas o ofício na TV, claro, ainda é sua maior vitrine. “Para estar aos domingos neste horário competitivo precisei quebrar muitas barreiras, muitos conceitos pré-estabelecidos e, ainda hoje, preciso provar diariamente que uma mulher é tão boa quanto um homem para ocupar este espaço.”
Nota publicada por Estadão
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